Julho 6, 2024

Ontem (quarta-feira, 5), eu e meu amigo Fábio San Juan estivemos no belo anfiteatro do Senac-Piracicaba para o lançamento do livro Modernidade Caipira, que escrevemos em parceria, a convite do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP). Foi uma noite agradável, com um público bem acima do que eu esperava, muitos jovens interessados pelo tema. Bacana mesmo. Tivemos então a oportunidade de falar sobre os fundamentos do nosso trabalho.

O estilo livre de tratar temas sérios muitas vezes leva a tergiversar por caminhos inesperados e se perde a oportunidade de organizar com mais coerência o que se tem a dizer. É o que me ocorre com frequência quando preciso falar em público, coisa que não gosto de fazer. Aquilo que deveria ser mesmo o foco da questão muitas vezes fica pelo caminho, ofuscado pelo fluxo das ideias que se impõe. Dois pontos pelo menos ficaram de fora da minha explanação, que eu gostaria de registrar.

Uma delas se refere ao caipira desenhado por Monteiro Lobato no livro Urupês, um dos seus textos mais polêmicos. Está ali o que ele chama de Jeca Tatu, um ser desprezível, que vive no mato, tacando fogo da floresta e gerando instabilidade no ambiente rural, destinado ao plantio sistemático, dentro de padrões técnicos para atender a uma ordem econômica.

Na obra está que o elemento desclassificado (o caipira) precisa ser abatido à fogo, para que não danificasse ainda mais o ambiente. Quem vai ao socorro do até então desconhecido homem escondido na mata é ninguém menos que o senador Rui Barbosa, reconhecido pelo seu saber e integridade intelectual e moral. O parlamentar faz um belo discurso explicando a Manteiro Lobato que não se tratava de um ser desprezível, mas sim de uma população que precisava de atenção e cuidados especiais de saúde.

Rui Barbosa chama ou a atenção de Monteiro Lobato para o fato de o caipira estar ameaçado em sua existência por não ser um índio e nem um homem da cidade. Além de não ter um lugar para chamar de seu, o que o tornava arisco e amedrontado, sempre tendo que fugir das ameaças do dono da terra. Precisava de atendimento médico, porque estava com amarelão, uma doença muito popular na época. Essa leitura vai ser desenvolvida com mais profundidade por Antonio Cândido, em Parceiros do Rio Bonito.

Após o posicionamento de Rui Barbosa, Monteiro Lobato se corrigiu e toda a história sobre o caipira mudou. A velha praga ganhou em importância e consideração, não só no plano literário. Com isso eu quero dizer que o escritor de Taubaté não era um intransigente em suas ideias, mas sim, se dispunha a repensar seus conceitos quando colocado contra a parede, em caso de excessos e distorções.

Nem por isso seu texto em Urupês é menor, considerando seu estilo polemista e provocador, inspirado em um movimento bem mais ousado, de agredir a linguagem convencional e bem polida em voga, e o senso comum, liderado por pensadores destemidos e com ideias renovadoras, como Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche.

Pela ótica da polêmica, portanto, Monteiro Lobato se destacou e causou profundas reflexões sobre o homem do campo, evidenciando assim a existência do caipira, que ganhou uma identidade própria no movimento que se propunha a construir uma identidade nacional. Seguindo esse mesmo estilo irreverente e agressivo, ele tratou do trabalho da modernista Anita Mafaltti.

Segundo ele, no artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, a pintora, que se formou na Europa, estaria na galeria “formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos de cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento”.

Claro que seu posicionamento causou dissabores, mas em termos de estilo, trata-se uma obra impecável. Por isso entendo que ´fundamental separar o Monteiro Lobato polemista do Monteiro Lobato cordado, o que ele não era. Mas sobre ele, vamos falar no próximo artigo.

Romualdo Cruz Filho

Jornalista e, à moda antiga, leitor de livros de papel

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