A obra vale mais que a tragédia
Histórias romantizadas de Van Gogh e Almeida Júnior não auxiliam na apreciação de suas obras sublimes
À esquerda, Vincent Van Gogh com 19 anos, em 1872; ao lado, Almeida Júnior com 24 anos, em 1874.
O interesse sobre as pinturas de Almeida Júnior, o “pintor dos caipiras”, tem aumentado, especialmente no interior. O pintor ituano é um dos melhores candidatos a se tornar um “Van Gogh brasileiro”. Um sinal pequeno, mas um sinal, é a popularidade do artigo do Viletim (clique no link para ler) sobre a história do pintor e os mitos a seu respeito.
A comparação pode ser questionada, é claro. As obras de Van Gogh e Almeida Júnior, nem de longe são parecidas. Mas enxergo alguns pontos de contato entre eles, mais no público que os admira do que nos artistas, e os motivos dessa admiração. O desejo de conhecer suas imagens e as vidas conturbadas leva fãs ardorosos a romancearem à vontade sobre vida e obra de ambos. Projetam desejos, frustrações e suas visões sobre a arte nas tragédias vividas pelos dois pintores.
Vejo Vincent Van Gogh como um tipo particular de “Apóstolo da Arte Moderna”, pela mentalidade religiosa (e não pela adesão a uma igreja em particular), que o teria levado a renunciar à vida, para entregá-la totalmente à causa da Arte. “Apóstolo” porque a morte do artista holandês é vista, pelo mundo da cultura mais superficial, como uma espécie de martírio, numa religião cujo deus é a Arte e Van Gogh, profeta. “Moderno” não só por causa do estilo, mas por desenvolver, de maneira obstinada, uma nova forma de pintar. Ele partiu do realismo de Milliet (menos do que o de Courbet) e do impressionismo, e apostou a vida em uma pintura que traduzisse sua sensibilidade personalíssima. Um pacto faustiano feito consigo próprio.