Comurba: Uma tragédia que mudou a paisagem local
O desmoronamento do edifício e suas consequências foram registradas com todas as nuances pela imprensa piracicabana e podem ser estudadas pelos pesquisadores
Dia 6 de novembro é marcado pela queda do Comurba. Como a tragédia aconteceu em 1964, são 60 anos dessa marca triste no imaginário de muita gente que vivenciou aqueles momentos de muito sofrimento e dor. O desmoronamento do edifício e suas consequências foram registradas com todas as nuances pela imprensa piracicabana e podem ser estudadas pelos pesquisadores.
O Comurba era tido, como tudo de grandioso que se fazia em Piracicaba naquele tempo, a obra que se propunha a mudar a paisagem no centro da cidade e a concepção de vida moderna, com o início da verticalização das moradias e dos escritórios. Para os empresários locais e a elite socioeconômica, o desenvolvimento da cidade passava pela repaginada arquitetônica de sua área central. O edifício estava sendo construído onde hoje fica o PoupaTempo Estadual, ao lado da Caixa. No entanto, sua queda representou um freio na verticalização da cidade por pelo menos uma década, tamanho foi o trauma que ela causou.
O desabamento ocorreu logo após o almoço, por volta das 13h30, e pegou muita gente ainda comendo a sobremesa. Algumas, inclusive, morreram sob os escombros. Muitas das histórias envolvendo o Comurba já foram contadas, outras estão sendo descobertas somente agora. A Câmara Municipal está encabeçando uma série de atividades para relembrar o 6 de novembro piracicabano.
Há as lembranças infantis, como a do artista plástico Palmiro Romani, que tinha 8 anos na ocasião. A marca da tragédia foi tão forte em seu imaginário que ele acabou se tornando um militante em prol da preservação da história local e, em especial, a história do Comurba. Ele conta como acompanhou de perto o acontecimento.
“Era uma sexta-feira, 6 de novembro de 1964, 13h35... Um enorme estrondo seguido por uma densa nuvem de poeira tomou conta da área central de Piracicaba: caía o edifício Luiz de Queiroz, o Comurba, marcando o mais trágico acidente da história da cidade.”
O artista plástico e comerciante morava na Rua Regente Feijó, entre a rua José Pinto de Almeida e a Santa Cruz, um local relativamente distante da praça da tragédia, mas que dá uma dimensão do tamanho do alvoroço.
“Eu estava brincando com meus amigos na rua quando escutei o estrondo. A gente não conseguia ficar com os olhos abertos de tanta poeira no ar. Não dava para enxergar a um metro de distância. Lembro-me da minha mãe, desesperada, chamando pelo meu nome. Ela estava muito preocupada com meu pai, que trabalhava na loja de roupas da família, a 200 metros do local onde tudo aconteceu. Mas não era só a minha mãe que estava desesperada, todos os nossos vizinhos saíram na rua tentando entender o que havia acontecido. A preocupação maior da minha família, naquele momento, era saber se meu pai estava bem. Graças a Deus, nada havia ocorrido com ele”.
O sonho de Piracicaba ter um projeto arquitetônico de 22 mil metros, a maior área construída no interior do Estado de São Paulo, onde morreram 45 pessoas identificadas, ganhava uma marca indelével. “Este é um dia que nunca mais vou me esquecer”, diz o artista.
Romani diz que há oito anos estava conversando com a família quando saiu o assunto da queda do Comurba, e a sua surpresa foi quando seu filho Thiago Romani, comandante de aviação, perguntou sobre aquela tragédia: o que era o Comurba? Então, ele percebeu que precisava fazer algo para que a história não ficasse perdida.
“Naquela noite, debrucei-me nos meus estudos e comecei a fazer os primeiros traços para o conceito desta triste história da nossa cidade”.
Com o conceito pronto, esboçou um monumento. Sendo diretor Cultural da Acipi, apresentou o trabalho ao presidente da entidade, que na época era o senhor Luiz Carlos Furtuoso, e ao vice, Jorge Aversa. “Depois eu disse para todos os diretores da entidade que não podíamos ficar parados, pois se tratava de uma história que estava se perdendo”. Romani recebeu o apoio total para levar adiante sua iniciativa.
Furtuoso e Romani apresentaram o projeto de revitalização da Praça José Bonifácio que o artista tinha projetado e o monumento para o então prefeito da época. “Infelizmente, não conseguimos fazer com que nada saísse do papel”, conta o artista.
A luta continuou, mas logo veio a pandemia e esse assunto ficou esquecido. Hoje Romani, que também é o autor do monumento em comemoração dos 150 anos da Imigração Italiana, instalado no Parque da Rua do Porto, vê com entusiasmo o projeto de lei da vereadora Silvia Morales (PV) aprovado para que esta história não se perca no tempo.
O conceito do monumento que ele projetou, é uma placa de cimento em queda. Os nomes dos mortos estão gravados nesta “parede”. Atrás estão os escombros do edifício entulhado, em cima há um lenço branco que parece ter furado a placa de concreto, saindo dos escombros e subindo suavemente para o céu. Em volta, um jardim de flores e um lugar para que as pessoas possam prestar as suas homenagens. “Espero que agora... possamos conseguir adiante com este projeto”, diz Romani emocionado.
Há outras memórias sobre esta tragédia, como a de Maria de Aparecida de Arruda, que o Viletim contará no próximo artigo.
Que informações preciosas!!!