Modernidade Caipira e o Modernismo de 22 em Piracicaba (03)
MODERNIDADE PIRACICABANA (1842-1950)-Monarquistas e republicanos, um confronto que não houve
Antiga residência de Estevão Ribeiro de Sousa Rezende, o Barão de Rezende, na esquina da rua Alferes José Caetano com a São José. Este imóvel abrigou a antiga prefeitura de Piracicaba e foi demolido na década de 1950. Grandes personalidades visitaram esta residência, como D. Pedro II, a Princesa Isabel e o Conde D´Eu.
Segue a publicação do livro editado pelo IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba) em 2023, de autoria de Fábio San Juan e Romualdo da Cruz Filho.
Para ler as duas primeiras postagens, clique nos links abaixo:
Modernidade Caipira - parte 01
Modernidade Caipira - parte 02
O livro é resultado da pesquisa apresentada pelos autores ao Sesc Piracicaba em 2022, que resultou em uma atividade de turismo cultural, “Por Onde Andaram os Modernistas em Piracicaba”, realizado no período de setembro a outubro de 2022.
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MODERNIDADE PIRACICABANA (1842-1950)-Monarquistas e republicanos, um confronto que não houve
Estêvão Ribeiro de Sousa Resende (1840-1909), único Barão de Resende, foi empreendedor, fundador do Engenho Central de Piracicaba e um dos fundadores da Companhia Ituana de Navegação. Foi escritor e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Lutou na Guerra do Paraguai, pelo que foi agraciado com a Ordem de Cristo, e por isso nomeado fidalgo da Casa Imperial brasileira. É responsável pela reconstrução do Teatro Santo Estevão, no centro de Piracicaba. Líder do grupo monarquista da cidade, no entanto, não se opôs à República e contribuiu com o progresso da cidade até seu falecimento.
José Prudente de Moraes Barros (1841-1902), advogado, político, vereador e intendente (prefeito) de Piracicaba, presidente do estado de São Paulo e primeiro presidente civil do Brasil entre 1894 e 1898. Foi responsável, com seu irmão Manoel de Moraes Barros, pela infraestrutura que possibilitou o desenvolvimento de Piracicaba no século XX: ferrovias, saneamento, e principalmente, escolas. Abolicionista e republicano, foi um dos responsáveis pela primeira versão do jornal "Gazeta de Piracicaba", no final do século XIX, órgão defensor das ideias republicanas no interior paulista. Imagem: Retrato pintado por Almeida Júnior em 1890, acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Piracicaba nunca perdeu sua ascendência monarquista, apesar de liberal. Portanto, a monarquia, no século XIX, não se tornou rejeitada pelos políticos da terra de forma unânime. Pode-se dizer que, quando chegou a hora, uma parcela expressiva deles defendeu a República, mas não por se contrapor absolutamente à ordem vigente. Sentiam ainda forte apreço pela ordem imperial de Dom Pedro II.
O antagonismo estava relacionado às ações controladoras dos representantes da corte, que tutelavam o imperador e burlavam a legalidade do processo participativo para se manter no poder, impedindo qualquer interferência externa, opondo-se a qualquer concessão que contrariasse seus interesses. Os grupos liberais, portanto, por seguirem outra frente de ideias sobre o desenvolvimento nacional e do entendimento legal da ordem, foram excluídos da participação política.
Primeiramente, os inimigos eram os “corcundas”, apelido dos adeptos do Partido Restaurador, ligados à corte portuguesa, com anseios colonialistas. Eles eram contra a independência do Brasil e, por isso, viam com maus olhos a elite liberal de Itu, que desejava não apenas a autonomia do país e a abertura do mercado externo, como também a independência sobre os destinos da nação. Depois foram os andradistas, que fecharam as portas para todas as lideranças que questionassem a concentração de poder nas mãos de poucos, alijando a participação dos liberais concentrados em Itu, cidade-mãe de Piracicaba. Sendo assim, o movimento ituano se opunha às mudanças das regras constitucionais, feitas no atropelo das circunstâncias por interesses declaradamente oportunísticos. Ambos os assuntos são tratados em profundidade pela historiadora Marly Therezinha Germano Perecin (vide os títulos da autora na seção “Bibliografia”, ao fim do livro”).
Na contramão da conduta das lideranças da corte, em meados do século XIX, os liberais paulistas – movimento do qual Piracicaba fez parte –, queriam autonomia em busca do desenvolvimento, da ordem e do progresso, como diria a cartilha positivista tão em voga. Apostavam na ciência e tecnologia, na formação acadêmica, acreditavam em suas potencialidades. De forma que pode nos surpreender hoje, havia entre seus integrantes também escravocratas, que se inclinavam pelo fim à escravidão negra, mas que buscavam alternativas para a sua substituição pela mão-de-obra imigrante na lavoura. O fechamento político a essa manifestação partidária acirrou as desavenças; a ruptura entre os paulistas e o governo central acabou por se consumar. Não se pode esquecer que estamos falando de coronéis, de homens fortes e vocacionados para o poder, em uma sociedade patriarcal. Era disputa, e disputa de interesses.
Piracicaba está, portanto, umbilicalmente ligada ao movimento liberal de Itu, sua cidade-mãe (PERECIN, 2021). A frustrada tentativa de dar força aos constitucionalistas e defensores da autonomia do estado de São Paulo, diante do monarquismo de cabresto, controlado pelos andradistas, resultou no extermínio de lideranças ituanas na região de Campinas pelo exército do general Luís Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, em 1842, na batalha que ficou conhecido como Revolta da Venda Grande. Essa é uma das batalhas da chamada Revolução Liberal de 1842, da qual tomaram parte também liberais revoltosos na província de Minas Gerais. Na Venda Grande, sob opressão e perseguição, muitos ilustres de Itu acabaram fugindo para outras regiões, sendo que muitos deles vieram para Piracicaba a fim de se proteger. Se por um lado esse movimento arrefeceu a dinâmica política da cidade-mãe, Piracicaba foi beneficiada com o deslocamento migratório de figuras de destaque que se tornaram grandes nomes nacionais na Primeira República.
Prudente de Moraes e seu irmão Manoel de Moraes Barros, por exemplo, originários de Itu, passaram a desenvolver trabalho ímpar na organização política piracicabana, vislumbrando um novo patamar de representação para a cidade. Seu trabalho se destacou tanto a ponto de, perto da virada do século, termos Prudente como o primeiro presidente civil do país (1894 a 1898). Vale observar, como bem destacou Clarice Pavan Chiareli em sua dissertação de mestrado na Unimep, em 2007, citando TERCI (1997), que os irmãos Moraes Barros foram os mentores do jornal “A Gazeta de Piracicaba” ainda em seus primeiros movimentos políticos em Itu, veículo de comunicação que se tornaria o baluarte da república em Piracicaba. “Organizada em 1882, em Itu, pelos irmãos Manuel e Prudente de Moraes Barros, com o objetivo de fazer campanha abolicionista, movimento republicano e defesa e divulgação da política sanitária e civilizadora”. (TERCI, 1997, p. 23, citado por CHIARELI, 2007). Na administração pública municipal, já na cidade que adotaram para viver, eles foram responsáveis por muitas conquistas, como a ampliação das bases educacionais, que se projetou com a criação de várias escolas, como os Grupos Escolares “Barão do Rio Branco” e “Moraes Barros”, Escola Complementar (depois, Escola Normal e ainda, Escola Estadual “Sud Mennucci”), e o Colégio Piracicabano, de origem americana e metodista. A base educacional de Piracicaba, que ficará famosa como “Ateneu Paulista”, ganha evidência ímpar nesse processo de composição de um município que começa a se diferenciar, para efeito do estudo que estamos propondo.
Outro nome que vai ajudar na projeção da “Noiva da Colina”, considerada modelar nesta segunda metade do século XIX, é o de Luiz Vicente de Sousa Queiroz (1849-1898), aquele que doou as suas terras da Fazenda São João da Montanha para a criação da Escola Agrícola. Além disso, liderou a criação de vários empreendimentos industriais que se tornaram referências para o país. Antes da Abolição, Luiz de Queiroz já era um dos apoiadores do fim da injustiça social da escravidão. Ajudava inclusive financeiramente escravos que fugiam da lavoura em busca de uma nova situação para viver. Foi grande incentivador da República. Era empresário de visão. Construiu a Fábrica de Tecidos Santa Francisca (em homenagem a sua mãe; posteriormente, Fábrica Arethuzina e depois, Fábrica Boyes), com máquinas movidas a força hidráulica, importadas da Inglaterra, num tempo em que nem estradas adequadas existiam para se transportar os equipamentos. Transporte, por sinal, que só era possível no lombo de burro ou com carros de boi. Por falta de matéria-prima, incentivou o plantio de algodão em Piracicaba. Adquiriu barcos para o transporte fluvial, que daria suporte ao escoamento da produção de sua fábrica, estabelecendo comunicação com Capivari, Indaiatuba, Jundiaí, São Paulo e Santos. Inspirado no desenvolvimento tecnológico americano, Luiz de Queiroz construiu uma usina elétrica movida a água do rio Piracicaba em 1893. “Piracicaba teve luz elétrica antes de qualquer nação sul-americana, muitos países europeus, São Paulo e Rio de Janeiro. O povo em regozijo promoveu uma grande manifestação ao benemérito empresário. Aglomeraram-se os Piracicabanos defronte ao Hotel Central onde, de uma das sacadas, vários oradores saudaram os realizadores dessa grande obra”, conta Edmar José Kiehl, no livro comemorativo aos 75 anos da Esalq (KIEHL, 1976).
O Barão de Rezende (observe que barão é uma titularidade eminentemente monarquista que ele nunca deixou de envergar, e com orgulho. Orgulho, por sinal, compartilhado pelos piracicabanos) também integra o rol de notoriedades, por seguir uma linha de trabalho que dava ainda mais força ao movimento desenvolvimentista republicano. Com seu olhar empresarial aguçado, suas ambições empreendedoras, ajudou imensamente a abrir perspectivas de futuro ao município. Ele tinha também o prazer da filantropia, o que permitiu o desenvolvimento do setor de saúde em Piracicaba. Assim registra o historiador Leandro Guerrini, a partir das atas da Câmara Municipal, sobre este cidadão ilustre: “Estevão Ribeiro de Souza Rezende, Barão de Rezende, filho do Barão de Limeira, nasceu no Rio de Janeiro em 19/08/1840. Cedo se radicou em Piracicaba, onde deixou traços marcantes de sua operosidade e iniciativa. Foi industrial, agricultor, político, parlamentar e jornalista. Dentre suas obras está a construção do Engenho Central, a Santa Casa de Misericórdia, o Teatro Santo Estevão, a navegação fluvial. Na Câmara Municipal, foi vereador. No jornalismo era um entusiasta do progresso local. Faleceu nesta cidade em 11 de agosto de 1909, sendo, a bem dizer, o último monarquista da cidade” (GUERRINI, 2009).
Teatro Santo Estevão, provavelmente na década de 1930.
Ainda seguindo os registros da Câmara Municipal, Guerrini conta que, dez dias após a proclamação da República aconteceu uma histórica reunião de monarquistas piracicabanos na residência do Barão de Serra Negra, que a presidiu, tendo como secretário o Barão de Rezende. Nessa reunião, resolveram aderir ao novo regime político do Brasil, com algumas restrições. Ao fim da reunião, foi redigido um “Memorial”, que seria entregue à Câmara Municipal pelo vereador Barão de Rezende. Desse documento destaca-se: "Assim sendo, os Governos Provisórios dos Estados Unidos do Brasil e do Estado de São Paulo, que se dizem Governos de paz, de liberdade, de fraternidade e de ordem, podem contar com a adesão e leal apoio dos abaixo-assinados". (GUERRINI, op. cit, p. 187).
Não seriam os monarquistas, derrotados pela realidade em suas convicções políticas, que travariam o desenvolvimento do Brasil e de Piracicaba, ainda mais com uma liderança que, na prática, estava muito mais interessada no progresso econômico e social do país, e em particular de Piracicaba, do que em cerrar fileiras ao lado ao monarca destituído.
Continua na próxima quarta-feira, dia 11/12/24.