Modernidade Caipira e o Modernismo de 22 em Piracicaba (05)
O Teatro Santo Estevão. Sud Mennucci e a educação
Prossegue a publicação do livro editado pelo IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba) em 2023, de autoria de Fábio San Juan e Romualdo da Cruz Filho, em partes. Leia as postagens já publicadas, clicando nos links a seguir: Modernidade Caipira - parte 01; Modernidade Caipira - parte 02; Modernidade Caipira - parte 03; Modernidade Caipira - parte 04.
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Teatro Santo Estevão
O Teatro Santo Estevão, vale enfatizar, é mais uma obra benemérita do Barão de Rezende, com forte estímulo de sua filha, Lydia de Souza Rezende, uma mulher muito presente nas atividades sociais e beneficentes da cidade. É dela também a ideia de trazer para Piracicaba um colégio para meninas, que se tornou em 1922 o Instituto “Baroneza de Rezende”, na Vila Rezende.
Teatro Santo Estevão, foto interna, com público. Data ignorada. As plateias assistiam a apresentações musicais de corais, orquestras e solistas, peças de teatro de grupos piracicabanos e de grandes companhias, palestras de escritores. Também abrigou a Biblioteca Municipal por alguns anos e sediou a Sociedade de Cultura Artística de 1925, ano de sua criação, até o teatro ser demolido em 1953. Autoria da foto: desconhecida. Reproduzida em https://fotoeahistoria.blogspot.com
O Teatro Santo Estevão era uma pequena joia. Bem apresentado, bem decorado, com uma acústica excepcional, comentada como uma das melhores do Brasil pelo ator Procópio Ferreira, que nele se apresentou. Teve sua construção iniciada por volta de 1870, provavelmente pelo Marquês de Valença, segundo o professor João Chiarini. Com projeto de Carlos Zanatta, pintura e decoração de Bonfiglio Campagnolli, mobiliário de João Graner e pano de boca pintado por Joaquim Dutra. O seu nome se explica porque seu principal construtor foi o Barão de Rezende, cujo nome de batismo era Estevão, por isso seu santo onomástico era Santo Estevão. Deixemos, portanto, que o próprio Barão narre a história do velho e saudoso teatro:
Em 1870, resolvendo-se construir um pequeno teatro, nesta cidade, abriu-se uma subscrição que recolheu setenta assinaturas, na importância de 8.232$600. Como membro da comissão respectiva, tive de assumir a responsabilidade da edificação, até que ficasse coberta e bem ou mal se prestasse a representações: foi então franqueado, no intuito de, com os rendimentos, ser concluído e preparado o edifício, muita coisa tendo sido feita provisoriamente; este intuito nunca foi realizado: de fato, dissolveu-se a comissão e ninguém se importou mais com isto. [...]. Por ser um edifício que oferecia distrações ao público e se a ele houvesse algum pretendente, para o mesmo fim, fácil ser-lhe-ia entender-se particularmente. Nunca recebi um real do Theatro. (PAJARES, 1995)
''Em 1890”, prossegue o Barão,
...tendo a Intendência [Prefeitura] ouvido a profissionais que declararam precárias as condições do edifício e necessária a sua demolição e publicada, na Gazeta de Piracicaba de 19 de Março desse mesmo ano, a de convocar por editais os proprietários do Theatro para a demolição, segundo o artigo 22 das Posturas, oficiei ao presidente da intendência constatando o parecer desses profissionais e me oferecendo para mandar efetuar obras precisas para fazer desaparecer o mau aspecto do edifício... (PAJARES, 1995)
Estava armado o palco que sediou um dos movimentos mais fortes da cultura piracicabana da primeira metade do século XX.
Sud Mennucci e a Educação
Apaixonado por Piracicaba, Sud Mennucci deixou na imprensa local muitos textos exaltando a "Noiva da Colina":
“É, sem dúvida, uma bênção do céu, o ter tido a felicidade de nascer aqui e ter podido, durante uma longa sequência de dez anos, viver ao par das preocupações artísticas e intelectuais que venho relatando, dentro do infinito esplendor dessa natureza pagã, perpetuamente em festa... Piracicaba, poucas cidades podem, como tu, fazer praça de sua beleza...” (“Hino de amor à Noiva da Colina”, in NEME, 1936).
Sud Mennucci (1892-1948), educador, geógrafo, sociólogo, jornalista e escritor piracicabano. Atuou em São Paulo como secretário da educação, entre outros cargos. Militou pelas Escolas Rurais. Diretor durante anos da Escola Normal de Piracicaba, um dos responsáveis pela formação de toda uma geração de intelectuais formados em sua escola, que em 1945 recebeu o seu nome. Autoria da foto: desconhecida. Reproduzida em GIESBRECHT, Ralph Mennucci. "Sud Mennucci: Memórias de Piracicaba, Porto Ferreira, São Paulo", 1997.
Ele é também uma das referências quando o assunto é educação. Teve presença marcante em todos os momentos do debate educacional brasileiro do seu tempo, com um pequeno diferencial. Sud Mennucci acabou sendo estigmatizado pelos líderes mais ideológicos da Escola Nova, que nasce da discussão de um sistema educacional com características iminentemente brasileiras e parte para uma ideologização do processo. Enquanto o piracicabano pensava em uma escola rural, por exemplo, com a finalidade de levar educação aos filhos dos produtores rurais, os escolanovistas viam a proposta com desdém, como se fosse um projeto monarquista, de viés reacionário. GIACOMO, ao citar CARVALHO (2015), afirma que as principais contribuições para a penetração do escolanovismo nas instituições escolares foram observadas na reforma paulista de Sampaio Dória, na reforma de Lourenço Filho e de Anísio Teixeira.
A Reforma da Instrução Pública, elaborada por Fernando de Azevedo, de 1927 a 1930, alicerçou-se basicamente em princípios escolanovistas, com a incorporação de concepções teóricas e pedagógicas de intelectuais como John Dewey, Édouard Claparède, Maria Montessori, Jean Decroly, entre outros precursores na idealização da escola ativa (GIACOMO, 2016).
Isso porque, de fato, ao se analisar com cuidado o pensar de Sud Mennucci sobre educação vamos observar que ele não pensava na formação como outra coisa além de integração e preparação das crianças e jovens para a vida. Era um conservador, sem conflito com os monarquistas, e apaixonado pelo mundo rural. Seu republicanismo ia até a terceira página da cartilha, em que se vislumbrava uma identidade nacional, e o campo fazia parte dessa identidade para ele, bem como a qualidade de vida no ambiente rural precisava ser preservada. Via, portanto, a cidade e o campo como complementares e harmônicos, sem privilegiar este ou aquele ambiente social. Era, poderíamos dizer, um defensor do pensamento de Monteiro Lobato e um tanto quanto avesso a filtrar esse entendimento por pensadores da educação que não tinham relação com o ambiente eminentemente brasileiro. Por isso estava longe do que afirma Giacomo sobre o movimento modernista:
No aspecto cultural, a realização da Semana de Arte Moderna de 1922 figurou como evento importante, marcando a emergência do movimento modernista no Brasil, que se colocava contrário à ordem social e política vigente, tendo como principais precursores: Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Mário de Andrade, Victor Brecheret, Lasar Segal, Menotti Del Picchia, Manoel Bandeira, entre outros. Esse acontecimento, pela perspectiva histórica, imprimiu novos conceitos estéticos que abarcaram as áreas da pintura, arquitetura, escultura, poesia, literatura e música e foi caracterizado pela ruptura com o academicismo e busca de uma identidade própria para a expressão da arte nacional, tendo como enfoque os elementos da cultura brasileira. (GIACOMO, 2016)
Continua na próxima quarta-feira, dia 25/12/24.
O livro “Modernidade Caipira e o Modernismo de 22 em Piracicaba” é resultado da pesquisa apresentada pelos autores ao Sesc Piracicaba em 2022, que resultou em uma atividade de turismo cultural, “Por Onde Andaram os Modernistas em Piracicaba”, realizado no período de setembro a outubro de 2022.