Prossegue a publicação do livro editado pelo IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba) em 2023, de autoria de Fábio San Juan e Romualdo da Cruz Filho, em partes. Leia as postagens já publicadas, clicando nos links a seguir: Parte 01; Parte 02; Parte 03.
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Cidade modelo e ufanista
Essas figuras que se destacaram na segunda metade do século XIX se tornaram lendárias para a história local e serão eternamente exaltadas por todos aqueles que buscam entender as condições de Piracicaba na virada para o século seguinte. Nesse período o município tinha várias características consideradas socialmente boas. Não havia concentração de terra nas mãos de poucos. Havia uma produtividade agrícola respeitável e rentável. A classe média estava se fortalecendo com o talento dos imigrantes, que chegaram aos montes, sempre ambicionando qualidade de vida e condições de trabalho que lhes permitissem projeção social. É a mesma classe média que vê na Escola Complementar (futura Escola Normal, instituição de formação de professores) uma porta aberta para fortalecer seus projetos de bem-educar seus filhos. O caminho do professorado, segundo PERECIN (2005), era seguramente uma forma de ascensão social, uma vez que haveria emprego garantido e bons salários. As famílias operárias tiveram, portanto, a visão da oportunidade e encaminharam suas filhas e filhos para que seguissem essa carreira profissional, sempre com grande sucesso.
Estes dados sugerem que podemos reconhecer que o universo educacional de Piracicaba atendeu às demandas de um novo momento político nacional, ou seja, os primeiros anos da República e seu grande surto industrial, particularmente em São Paulo, graças à imigração europeia. Como diz TORRES (2003), Piracicaba seria uma cidade onde predominava a classe média, denominada por Décio Saes como camadas médias urbanas. No ano de 1900 a cidade de Piracicaba contava com quatorze mil habitantes urbanos. Neste mesmo ano a Escola Complementar formava seus futuros professores. Segundo o Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, de 1907/1908, foram 232 formados, sendo 135 mulheres e 97 homens”. (CHIARELI, 2007)
Na virada do século, portanto, como afirma PAJARES (1995), “Piracicaba foi considerada como um protótipo de cidade universitária europeia, em virtude dos numerosos estabelecimentos de ensino que existem no município”. Sobre as razões de tal progresso: “Além das boas condições econômicas da cidade, da situação financeira estável no setor administrativo, a renda per capita era alta. Isto devido a uma agricultura forte (policultura) e a um parque industrial bem implantado e intensamente operante. Predominavam as famílias de classe média alta, daí o interesse e o apoio à cultura, ao ensino, à criação de escolas e ao aprendizado em geral”.
Para os ideólogos, apontados por CARVALHO (1989),
“Proclamada a República, a escola foi, no Estado de São Paulo, o emblema da instauração da nova ordem, o sinal da diferença que se pretendia instituir entre o passado de trevas, obscurantismo e opressão, e um futuro luminoso em que o saber e a cidadania se entrelaçariam trazendo o progresso”. (citado em GIACOMO, 2016).
No início do século XX, a cidade já contava com uma rede escolar robusta. Piracicaba tinha sido escolhida, no fim do século XIX, pelo governo estadual republicano para acolher escolas como o Grupo Escolar Barão do Rio Branco, o Grupo Moraes Barros e a Escola Complementar. Entre as escolas particulares, desde 1881 contava com o Colégio Piracicabano, metodista, e desde 1883 com o Colégio São José (depois, renomeado para Colégio Assunção), católico; havia ainda o Externato Paulista, o Colégio Ypiranga, a Scuola Italiana Umberto I (desde 1893), a Escola Fluminense (desde 1892) e a Escola de D. Eulália Pinto de Barros (criada em 1876). O método de educação musical desenvolvido por Fabiano Lozano era atrativo especial. A nova pedagogia em debate junto aos acadêmicos da Escola Normal, catalisados por Sud Mennucci, entre as décadas de 1920 e 1930, estava integrada a uma discussão nacional sobre os parâmetros educacionais para todo o país.
Cartão postal de 1922, com foto do edifício principal da Esalq - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz". A instituição foi fundada em 1901, devido à doação da Fazenda São João da Montanha ao governo do estado de São Paulo por Luiz Vicente de Souza Queiroz, cujo instrumento de doação obrigava o seu uso para criação de uma escola agrícola. Em 1934, na fundação da Universidade de São Paulo - USP, foi uma das seis faculdades que formaram a nova instituição de ensino. É referência na pesquisa e ensino de ciência e tecnologia agrícolas no Brasil e no mundo desde a primeira metade do século XX. Autoria da foto desconhecida. Acervo do Museu “Prudente de Moraes”.
A projeção da Escola Agrícola Luiz de Queiroz, enquanto centro de ensino e pesquisas na agricultura e a formação de agrônomos, era um fator primordial para o progresso sustentável da lavoura nacional. O desenvolvimento econômico proporcionado pela indústria açucareira era tido como sorte, uma vez que, a partir de 1929 o café tinha entrado em colapso e a cidade, por conta do açúcar, escapara dos efeitos devastadores dessa crise. No entanto, foi o café, como argumenta Perecin, no seu livro “Candeias em Espelho d’Água” (PERECIN, 1990), a fonte de riqueza adicional, que permitiu a ascensão rápida da economia local e a acumulação de capital para a industrialização da cidade e o desenvolvimento social. O fortalecimento de uma classe média interessada em arte e cultura, com fortíssima influência de imigrantes, será a base para o desenvolvimento da vida urbana e sua riqueza de propósitos. Eram imigrantes de etnias diversas, mas predominantemente europeias, habituados a atividades artísticas ecléticas. Esse hábito, miscigenado com a cultura local, formou um campo profícuo para as manifestações ocorridas em Piracicaba. Eram italianos, alemães, suíços, austríacos, franceses, turcos, árabes, norte-americanos, que vieram para formar um ambiente sincrético, uma fusão de padrões europeus e americanos com a "brasilidade", na então pequena província paulista. (PAJARES, 1995)
A presença fecunda da Sociedade de Cultura Artística, fundada em 1925, fazia passar pelo Teatro Santo Estevão artistas nacionais e internacionais de destaque, o que tornava Piracicaba integrada aos grandes centros artísticos. Isso só foi possível com a chegada da estrada de ferro configurada pela Estação da Paulista, facilitando muito o intercâmbio com os grandes centros, Rio de Janeiro e São Paulo. O multiculturalismo proporcionado pelos imigrantes europeus, que adotaram a cidade, trouxe também muito desprendimento e o desejo de qualificação para a realização profissional, focado na ascensão social.
A elite financeira consolidada, adepta da filantropia, foi vital para superar problemas sociais sensíveis. A imprensa, com vários jornais, como “A Gazeta de Piracicaba” e “Jornal de Piracicaba”, era atuante, sendo a “Gazeta” iminentemente republicano. Os títulos nobiliárquicos, porém, estavam presentes na cultura local e os barões eram uma honra para a cidade. Inclusive porque os monarquistas aceitavam com certa complacência a mudança dos ventos políticos e engrossavam o movimento em prol de Piracicaba.
Continua no próximo domingo, dia 22/12/24.
O livro “Modernidade Caipira e o Modernismo de 22 em Piracicaba” é resultado da pesquisa apresentada pelos autores ao Sesc Piracicaba em 2022, que resultou em uma atividade de turismo cultural, “Por Onde Andaram os Modernistas em Piracicaba”, realizado no período de setembro a outubro de 2022.