O lado escuro das emendas parlamentares
Elas representam a deformação da gestão pública em benefício de políticos que naturalizaram tal perversidade
O poder de influência no destino das Emendas Parlamentares (EPs) no Congresso Nacional tornou-se um modus operandi da política nacional e norteador das composições partidárias. De forma perversa, os partidos se organizam em todo o país e se fortalecem para influenciar nas decisões de governo. De forma incisiva, agem para impor novos caminhos aos recursos federais, elegendo, evidentemente, deputados federais, que chegam em Brasília só pensando no seu quinhão de EPs.
Quando se fala em centrão, por exemplo, a referência direta são as legendas que normalizaram o jogo para abocanhar recurso públicos visando a obtenção de benefícios particulares. Ou seja, tornaram a partilha dos recursos federais uma ação entre amigos, em benefícios de seus respectivos redutos eleitorais, à revelia dos projetos de governo, que vive sob pressão. Os parlamentares mantêm assim a velha política clientelista do dinheiro por voto.
As EPs discricionárias (livres, leves e soltas, de uso indeterminado e descontrolado) já representam hoje mais de 20% (FGV) das emendas parlamentares e elas se tornaram a moeda de troca para que o governo Lula possa dar andamento em sua gestão e ter seus projetos aprovados no parlamento. Elas também passaram a circular sem fiscalização do seu uso, proporcionando ampla margem para a corrupção.
Esta lógica reflete diretamente no andamento político regional. É só observar os dois grandes partidos que mais cresceram nas eleições municipais de Piracicaba. Um é o próprio PSD, de Kassab, legenda ocupada pelo prefeito eleito Helinho Zanatta. O segundo é o PL, de Valdemar da Costa Neto, que elegeu a maior bancada de vereadores para a Câmara Municipal. São partidos do Centrão, ágeis para abocanhar recursos federais, traduzidos em emendas parlamentares. Essa engenharia nefasta gerou um discurso político corrompido quando se percebe o desastre que é para a gestão pública essa forma de distribuir recursos arrecadados dos brasileiros em forma de impostos. Não se fala mais em política pública no Congresso Nacional, mas quanto o governo vai distribuir de emendas para a aprovação de qualquer coisa que seja de interesse do Executivo.
Piracicaba vivenciou recentemente a deformação das emendas como algo naturalizado e o ajustamento dos discursos dos candidatos a prefeito seguindo essa lógica enviesada. Barjas Negri mesmo não se cansava de cobrar dos deputados emendas parlamentares, como se elas fossem naturais como o nascer do sol. Bebel (PT) se vangloriava de ter conseguido emendas para cá e para lá. Alex de Madureira (PL) e o próprio Zanatta estavam sempre se posicionando sobre o quanto de emendas conseguiram. Evidente que eram emendas estaduais, mas, em última instância, a linha de raciocínio é semelhante.
A emenda Parlamentar é uma excrecência brasileira que foi aprimorada para sanear as ações criminosas dos Anões do Orçamento, ainda nos anos 1990. Ganhou vários nomes ao longo do tempo e volumes de recursos públicos em jogo, até ter essa denominação um tanto quanto realista de emenda secreta. Elas ganharam aumento expressivo nos últimos anos, saindo do patamar de R$ 6,14 bilhões em valores nominais empenhados em 2014 para uma destinação prevista de R$ 44,67 bilhões em 2024, conforme estudos da FGV, realizados pelos pesquisadores Carolina Resende e Manoel Pires. "Ou seja, em 10 anos, o volume de recursos alocados por parlamentares aumentou mais de 7 vezes."
Os pesquisadores indicam caminhos encontrados por outros países para não entrarem nessa barafunda de EPs. Na França, por exemplo, os parlamentares atuam no processo orçamentário, mais especificamente na decisão sobre recurso para os programas de governo, porque eles não podem criar novos programas, ou propor alterações às medidas de receitas. No entanto, o parlamento tem plena liberdade para alterar as despesas propostas dentro do mesmo programa.
“Na Alemanha, a integração do Executivo e Legislativo ocorre em grande medida por meio de comissões temáticas que acompanham áreas setoriais do governo. Essas comissões são ambientes de interação entre orçamento e políticas públicas e criam um espaço de maior coordenação em torno da agenda de políticas públicas, da definição de prioridades e do financiamento adequado para realização dos programas.”
Enfim, há alternativas, mas o Brasil segue na contramão da transparência e da eficiência desses gastos públicos. Está mais do que na hora de haver um basta em tanto desrespeito com o pagador de impostos como se isso fosse algo natural.