Que parafusos você irá apertar? Parte 01: o Futuro é Hoje
Primeiro artigo de uma série, com uma visão peculiar e pessoal sobre o futuro (e o presente) do mercado de trabalho
Imagem gerada pela IA Leonardo Image Generator. Pronto, tirei o emprego de um ilustrador.
Dizem os especialistas, influencers e escritores que há uma “mudança de paradigma” ocorrendo atualmente no mundo do trabalho. Urgente e necessária. E que todos devem se adaptar a ela.
A chegada das IA's (inteligências artificiais) demandaria mind skills (habilidades da mente) dos empregados, funcionários, colaboradores, um passo além da mudança de paradigma anterior, que estava na exigência de soft skills, habilidades de interações sociais, de relacionamentos profissionais, capacidade de trabalhar em equipe etc.
As mind skills seriam habilidades ligadas à sua capacidade mental, intelectual. A aposta do mercado estaria em investir em pessoas com habilidades de relacionar áreas de conhecimento diferentes com vistas a uma melhor produtividade no trabalho. Visão ampla, diversificada, não-especializada e sim, generalista.
Também está se falando muito em ESG (environmental, social and governance), a tal da governança corporativa feita a partir de preocupações prioritárias com o meio ambiente e o social.
Não se adaptar a este novo paradigma do trabalho seria decretar nossa morte profissional, uma ameaça de que ganharemos menos e trabalharemos mais, e não garantiremos nossas aposentadorias, pés-de-meia, ou simplesmente, não haveria futuro, arriscaríamos nossa sobrevivência.
Nenhuma conversa que eu não tenha visto, ouvido ou lido nos últimos 30 anos. Os termos do debate são recentes, porém, os vejo como embalagens novinhas em folha, redesenhadas para vender velhas novidades.
A partir do hype das Inteligências Artificiais e do tal “novo paradigma do trabalho”, tenho me incomodado muito com a cunhagem de novos conceitos, nessa “nova economia da informação” (este termo, sim, já está velho). Vejo-os como novos motes para oportunistas criarem cursos online e podermos nos “adaptar” ao “novo”. Como das outras vezes.
Também me incomodo com a suposta universalidade de aplicação deste novo paradigma em absolutamente todas às áreas profissionais, algo que não concordo de jeito nenhum, por simples verificação de falta de necessidade, ao confrontarmos teoria e realidade.
Sei que há gente séria envolvida no mercado de orientação profissional. Quem me incomoda não são estes, me incomodam os oportunistas. Usar gatilhos mentais como botões que se apertam para forçar o encaixe em uma realidade de mercado novíssima é um cavalo de batalha de influencers, que nos enchem a paciência em propagandas do YouTube, nos chantageando com nossa morte profissional, e outros gatilhos mentais de persuasão.
Veja, portanto, que além dos oportunistas, a ponta de tudo (propagandas e postagens de influencers chatos, de Pablo Marçal para baixo) o meu incômodo é conceitual, já disse que encaro quase tudo o que se vende embalado como “novo” é na verdade velho, e em alguns momentos, até embolorado.
A partir desse meu incômodo, cheguei a algumas conclusões provisórias sobre o tal do “futuro do trabalho” (sempre sujeitas a revisões e até mudanças de ideia):
1. O futuro não é amanhã, é hoje;
2. Os postos de trabalho mais solicitados, ou seja, as “tendências de trabalho em alta”, continuam sendo do tipo “apertar parafusos”, só que os parafusos agora são um pouco mais complexos e demandam formação de outro tipo;
3. A adaptação ao “novo paradigma do mercado de trabalho” não se aplica a uma enorme massa de pessoas no Brasil, porque irão desempenhar tarefas de baixa ou nenhuma especialização, que não exigem escolaridade nem formação profissional: serviços braçais, atendentes de mercados, feiras, farmácias, operários, vendedores, catador de lixo reciclável, jardineiros, faxineiras e outras funções; não quer dizer que eu queira que essas pessoas permaneçam nessas funções, estou dizendo que no momento acontece dessa forma;
4. O que me toca mais de perto, mas que atinge muitos amigos, familiares e conhecidos: de forma aparentemente contraditória, num mundo que requer mind skills, a demanda de empregos para carreiras de artes e ciências humanas é cada vez menor.
Irei abordar cada um destes pontos em um artigo diferente. Hoje falarei do item 1, o futuro que não é o de cinquenta anos à frente, mas o futuro hoje.
Imagem gerada pela IA Leonardo Image Generator, a partir das instruções do autor deste artigo.
O futuro, repito, não é amanhã, é hoje. Talvez se coloque tanta ênfase no amanhã, seja próximo ou distante, por conta da nossa cultura ter adquirido, ao longo de duzentos anos, uma mentalidade de esquerda, utópica, mas demagógica. Olhar para o futuro, com olhos de esperança, para “mudar o mundo” e “tornar o mundo melhor” tornaram-se os novos objetivos sociais e até civilizacionais, em vez de vivermos o presente a partir de padrões morais elevados, mirando a Vida Eterna, situada no post mortem.
Então falar do “futuro do trabalho” mexe com a mentalidade, incutida em todos, sobre a “mudança para melhor” do mundo, que inclui cada um de nós, individualmente. Desde a Revolução Francesa, tem sempre um componente de “ir para a galera”, mexendo com seus medos profundos do tipo, “como vou pagar minhas contas quando não puder mais trabalhar, e for idoso?