Um cubano em Piracicaba
"Cuba é um território escravagista, perdido no século XVIII e enterrado na miséria"
Daniel quer que o trânsito flua. Agora, com um pouco de paz, sonha em fazer a América... Latina. Por isso, tem pressa. Dirigindo por aplicativos nas ruas de Piracicaba, o cubano fica feliz por ter a certeza de que seus dias na fazenda da família Castro ficou na poeira da história. Mas uma poeira que ainda fustiga os seus pensamentos.
Jovem, protegido do sol com mangas longas e luvas, Daniel se renova em cada momento que se dispõe a revelar suas amarguras. As palavras reverberam um tremendo alívio, como se ele fosse um dos últimos a escapar incólume de um sistema que nega a condição humana. O lado bom é que ele ainda ri.
Daniel se cansou de ser escravo e aproveitou uma janela para fugir definitivamente do regime ditatorial que sempre repugnou.
“Cuba não existe, não é um país”, afirma a este passageiro. “É um território escravagista, perdido no século XVIII e enterrado na miséria.” Ele lamenta apenas a sorte daqueles que não tiveram a oportunidade de fugir. “Só ficou quem não tem mais força para decidir sobre a própria sorte. A esmagadora maioria partiu.”
Questiono sobre o que está acontecendo com o governo cubano neste momento, a resposta é a mais sincera que eu posso imaginar. “Nada. Lá não tem governo, porque não tem país. As pessoas se viram como podem. Não há com quem contar, a não ser com a ajuda dos familiares, que partiram. Não há remédio nas farmácias. Se precisam de um atendimento hospitalar, são obrigados a contratar um médico por conta própria e levar o próprio material cirúrgico.”
Sobre liberdade de expressão, ele diz que no Brasil vive um monte de loucos que podem falar mal do governo, coisa impensável na terra onde nasceu. Mas, segundo ele, já se esgotou a disposição dos cubanos remanescentes para reclamar, porque não há para quem. Na ilha, a vida segue como se fossem animais perdidos em uma fazenda abandonada no tempo.
Finda a viagem, desejo a ele boa sorte. Daniel segue em direção ao próximo passageiro, ansioso para que o trânsito de Piracicaba flua melhor.