Vamos falar de tradição. Vamos falar de presépio
Álvaro Jordão é o arquiteto da bela maquete que está instalada no Santuário da Igreja Nossa Senhora dos Prazeres
Fala-se muito em Natal como se fosse sinônimo de Papai Noel e presentes. Um grande amigo gosta até de brincar com esta situação, perguntando se no Natal deste mundo, altamente monetizado em um vazio existencial, a comemoração é pelo nascimento ou morte do Papai Noel? Um humor fino e profundamente crítico à banalidade que tomou conta do tema.
Mas o texto de hoje é para falar da tradição cristã, que traz à tona valores e referências que estão no contexto da fé ou, ao menos, no clima de Natal, relacionado a Jesus Cristo, seu nascimento e a força emocional imanente a esta rica cultura. Sim, há reis e presentes, mas cada qual motivando a amplitude dos horizontes para se perceber o retoque fino do enredo.
A síntese da história é contada por um presépio, elaborado com muitas nuances por um modesto artista, cujo próprio nome nos dá pistas do que se segue: Álvaro Luiz Jordão. Portanto, ele precisa ser apresentado, antes dos reis, claro.
“Sou professor aposentado e venho de uma família de descendentes de Italianos. Meu pai era um artesão, especialista em surpresas. Em cada Natal ele costumava elaborar alguma novidade com recortes em latas de óleo ou chapas galvanizadas, tendo como mote presépios. Com isso, transformava nossa casa em um centro de reuniões, não só para familiares, mas também para os vizinhos, que vinham apreciar suas obras.”
Este lado artista do pai influenciou Jordão. Sua fé também o conduziu ao gosto por presépios: “Num passado mais recente, procurei fazer presépios, seja para a nossa casa, para a escola em que eu lecionava e também, para a pracinha em frente onde nós morávamos. A linha de trabalho? A tradição, os registros históricos, a vida de Jesus Cristo.”
E o que significa a tradição, para ele? “Esta obra atual foi desenvolvida a partir de uma leitura aproximada da realidade da época em que Cristo viveu. A arquitetura da Galileia e seu relevo. Isso só foi possível com estudos, utilização de imagens bíblicas, trechos de filmes, narrativas de evangelhos, conversa com amigos, como o Fábio Burgatto, grande incentivador e pesquisador dessa arte.”
O presépio em questão, foi elaborado para 2024, por influência do padre pároco Agnaldo Santos, da paróquia Nossa Senhora dos Prazeres, que gostaria de trazer essa tradição de volta às residências das famílias e envolver a comunidade local. Agnaldo revelou a Jordão seu plano, de trazer um presépio da Itália, mas a intenção seria dispendiosa em demasia. “Ele vislumbrava um presépio estilo napolitano, muito tradicional naquele país e que com certeza chamaria muito a atenção. A ideia ficou no ar por falta de recursos financeiros”, recorda.
Foi então que surgiu a ideia de produzir um presépio com inspirações na arte napolitana. Jordão conta que depois de uma conversa com o padre e com base em presépios anteriores que ele havia construído, se propôs a fazer algo próximo do que o amigo pensava. “Se não desse nada certo, ao menos o santuário da paróquia não ficaria sem presépio”, observa com descontração. “Depois de pesquisar e imaginar cada detalhe, comecei a elaborar a maquete. Uma nova experiência que, aos poucos, foi ganhando forma e grandeza.”
Jordão é modesto ao analisar o resultado de seu trabalho minucioso. “Obvio que nem tudo foi possível, por falta de informação e de tempo. Detalhar uma época requer estudos mais aprofundados, pois nem mesmo as fontes consultadas dão a certeza do que foi aquele tempo. As moradias, tinham paredes de pedra e pó de calcário como cimento? Os telhados, eram de madeiras cruzadas, sapé (como apresenta o evangelho), ou ambas as tecnologias? Independente desses detalhes, que nos deixam um tanto quanto livres para propormos alternativas, a finalidade principal deste trabalho é trazer para o presente os momentos mais marcantes sobre o nascimento de Jesus Cristo, que é o centro das nossas atenções”, conclui.
Para facilitar a confecção e o acabamento do presépio, Jordão utilizou isopor, descartáveis que veem em embalagens de eletroeletrônicos, madeira, cimento comum e branco, areia, tintas, musgos, gravetos, juta, palha, entre outros. Ele gastou três meses de dedicação intensa para ver a obra no Santuário. Um detalhe que ele não pode esquecer: dos amigos ligados a diversas pastorais que tanto o incentivaram e o ajudaram.
O padre Agnaldo Santos, por sua vez, ficou ainda mais entusiasmado em sua missão de levar essa tradição para a casa das famílias. Ele tem motivado as pessoas para que se envolvam mais e apresentem seus próprios projetos de presépios montados em casa, que podem ser registros em fotos, com toda os familiares.
Desta forma, Jordão ganhou uma nova dimensão, de rio de batismo de uma tradição, se tornou um rio que liga a Galileia a Nápoles, Nápoles a Piracicaba. Mais exatamente, ao Santuário Nossa Senhora dos Prazeres, no bairro Nova Piracicaba.
Álvaro Jordão e o pároco Agnaldo Santos, da Igreja Nossa Senhora dos Prazeres