Julho 6, 2024

Quando a maquiagem é muita, até a Noiva desconfia

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O humor tem seus méritos. Ele pode ser um estímulo para discussões sérias sobre o tema que aborda e levar a reflexões menos superficiais sobre questões do dia a dia. Porque a provocação da linguagem debochada toca o ridículo e nos desarma, para nos trazer de volta à realidade com um olhar renovado, após desqualificar nosso senso de equilíbrio. Ele é capaz de abrir os nossos olhos para aquilo que vemos, mas não enxergamos.

Falo aqui do asfalto e do trabalho intenso das equipes que estão nas ruas da cidade para tentar minimizar o drama dos motoristas com ruas esburacadas e cheias de irregularidades devido à falta de manutenção. Afinal, há ruas que estão sem qualquer tipo de cuidado há muito tempo. Sendo assim, não haveria motivo para criticar um trabalho tão importante como esse em andamento.

Mas o site viletim.com.br tem insistido no humor para apontar a maneira como o recapeamento está sendo feito. O fato de a licitação ter saído apenas há alguns meses antes das eleições municipais é apenas um detalhe nesse show de informações. As matérias mostram carros estacionados, impedindo o acabamento de alguns trechos que já receberam asfalto. Mostram remendos em obras que sequer terminaram e nascem com sinais de velhas. Destacam até um caso em que o bueiro foi devidamente lacrado pelo piche, enfim.

A abordagem, portanto, levou o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico, José Luiz Guidotti, a se manifestar em favor do governo. Ele deixou a seguinte mensagem no site: “Piracicaba está passando pelo maior investimento de recape de suas vias públicas, em toda a sua história. Nossas ruas e avenidas estavam judiadas, com remendos em cima de remendos, há muitos anos, ou alguém discorda disso? Serão mais de 250 quilômetros de vias pavimentadas. Um episódio isolado que é o carro que impossibilitou o serviço não pode e nem deve ser motivo de piada. O automóvel ali estacionado, mesmo que abandonado, é propriedade privada, e só pode ser removido mediante medida judicial. São vários veículos nessas condições de abandono que estão ‘esquecidos’ nas vias públicas.”

Quem teria algo para contrapor a tal argumento? Estaria tudo perfeito se não levássemos em consideração um segundo nível dessa conversa, que é a situação da rede de água. Temos insistido que até a ação das máquinas que preparam a superfície para o asfalto rompem as tubulações e provocam vazamento, porque a rede está podre e precisa ser trocada. Isso é o que temos vistos e documentado em praticamente todas as ruas que estão recebendo o benefício. Este site já publicou também várias matérias sobre a situação deplorável da rede de abastecimento. Matérias consideradas íntegras até mesmo pelo presidente do Semae, Artur Costa Santos.

Não existe nada mais importante para uma cidade do que ter estrutura de água e esgoto. Antes do asfalto, portanto, não seria a rede de abastecimento o investimento mais importante para a população? No entanto, o que temos visto são ações pontuais para tentar minimizar a situação da rede, com a troca de alguns metros de tubo na região da rua Tiradentes com a Monsenhor Rosa, por exemplo, sem que o problema maior seja atacado. No caso do esgoto, a própria Mirante já disse publicamente que a tubulação da cidade é estreita, o que facilita o entupimento quando a população resolve descartar pela via material de maior volume, como absorvente, por exemplo. A gordura é outro vilão para fazer bueiros transbordarem. Ou seja, a rede de água e esgoto precisa de atenção especial.

É parte do folclore nacional a tese de que obra subterrânea não dá voto. Então, ao invés de mexer no que está embaixo da terra, porque não pavimentar a via asfáltica, mesmo que ela encubra a situação lastimável das redes de abastecimento e escoamento? Afinal, asfalto dá voto. O que os olhos não veem… Mas esta é a filosofia mais antiga e característica de gestões populistas. Luciano Almeida veio com a proposta de ser moderno e não de repetir o velho. Na prática, porém, ele faz igual ao que todos fizeram.

Se precisa de votos, asfalta a cidade. É isso que o site viletim.com.br tem apontado. Nada mais do que isso. Daqui a pouco teremos um monte de ruas remendadas porque tiveram que ser abertas de emergência para conter canos vazando. O problema mais sério não foi enfrentado e a lusitana roda. É fácil defender o asfaltamento. O difícil é manter o senso crítico sobre a hierarquia dos problemas. Quem sabe a saída fosse um trabalho híbrido, talvez. Mas a toada é de melhorar a aparência, apenas. Quando a maquiagem é muita, até a Noiva desconfia.

Romualdo Cruz Filho

Jornalista e, à moda antiga, leitor de livros de papel

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