O chá
O almoço estava sendo preparado na mansão dos Toledo e o perfume do assado se espalhava pela casa. O último domingo de cada mês era reservado para as reuniões familiares, quando os três sobrinhos vinham almoçar com tia Alice, herdeira da fortuna da família.
Mulher enérgica, de caráter forte e dotada de extrema elegância, conduziu os negócios e multiplicou a renda proveniente das terras da fazenda, depois que o único irmão e sua cunhada morreram em um grave acidente de carro, deixando três filhos ainda crianças, amorosamente acolhidos pela tia.
Naquele domingo chovia, e a senhora observava atenta ao crepitar do fogo em frente à lareira, coberta por manta colorida, por ela mesma tricotada. Trazia um olhar profundo e compenetrado quando Lucas entrou na sala com a esposa e os dois filhos pequenos, correndo em direção à tia e fazendo barulho para abraçá-la.
Assustada, Alice se encolheu e afastou as crianças, dirigindo-se ao sobrinho: – Quem são vocês?
A piora da memória da tia era a cada dia mais evidente, e Lucas precisava muito quitar as dívidas de seu escritório de advocacia, sem clientes suficientes para pagar seus boletos e manter as aparências de gente rica e bem-sucedida.
Por mais dinheiro que tivesse, tia Alice manteve a rédea as mesadas e auxílios financeiros, acreditando que os meninos precisavam conquistar a independência financeira pelos seus próprios esforços.
Rafael chegou em seguida, acompanhado pela numerosa família, composta pelos três filhos adolescentes e sua esposa apinhada de joias e roupas caras, mesmo sabendo que não conseguiria pagar a fatura do cartão de crédito.
– O que vocês fazem aqui?
Cada vez mais encolhida, tia Alice parecia transtornada ao ver tanta gente “desconhecida” espalhada pelos sofás e poltronas da sala, rindo alto e fazendo algazarra.
Quando Daniel, a esposa e o bebê chegaram, deram de cara com a tia em meio a um surto, gritando e pedindo que parassem o barulho, exigindo explicações. Aproximou-se dela com a criança no colo e seu semblante passou de irado a enternecido, acalmando suas emoções e fazendo a tia entoar uma das suas antigas canções de ninar.
Atormentado pela dificuldade em equilibrar o orçamento com a chegada do filho, Daniel só pensava no dia em que colocaria as mãos na sua parte da herança e pudesse proporcionar uma vida digna de princesa para a esposa não precisar mais se submeter ao trabalho.
Para aliviar a tensão geral e trazer de volta a harmonia familiar, foram as esposas para a cozinha, preparar um chá bem quente para acalmar e confortar a tia, que olhava para a lareira perdida em seus devaneios e balançava o corpo exasperada. A tia aceitou a xícara e, obedientemente, sorveu o chá enquanto seu corpo sentia o alívio.
Tomaram seus lugares à mesa, posta com requinte e fartura, enquanto a dona da casa continuava observando a todos com ares de desconfiada. “Quem será essa gente? Quando eles irão embora? De onde vem tanta criança? O que eles fazem aqui? ”. Cheia de perguntas sem respostas, tia Alice, mecanicamente, levava o garfo à boca silenciosa e intrigada.
Conforme o almoço era servido, iam-se apagando os pensamentos de Alice. A escuridão foi ficando cada vez mais intensa, o vazio do cérebro cada vez maior, e o esforço para reviver lembranças era insuficiente e penoso.
Sentiu-se cansada. Foi tomada pela paz da ausência das memórias e a luz se apagou definitivamente quando ela caiu em cima a sobremesa.
– Tia Alice viveu bem. Chegou a sua hora. É o que se dizia.
No final do cortejo fúnebre, três esposas enlutadas derramavam lágrimas de felicidade pela eficiência de uma simples xícara de chá. Seus problemas estavam resolvidos.