Maio 6, 2024

Quando Gilmar Mendes disse a Sérgio Moro que o ex-juiz da Lava Jato precisava suprir suas lacunas de formação, gastei quase duas pestanas para decifrar o conselho enigmático do decano supremo. O esforço, por fim, me levou à luz. Para ter essa clareza oracular, Mendes estava, evidentemente, se inspirando em seu próprio processo de formação.

Não bastava a ele o desejo de chegar ao STF e alcançar o status de homem mais poderoso do país. Isso jamais seria possível se ele não tivesse fechado todas as suas lacunas. O que só é possível com boas relações e trocas de gentilezas com outros homens sem lacunas. Lula, apesar da breve temporada preso, é, em sua essência, um homem sem lacunas. Lira, Pacheco, Calheiro, Barroso, Odebrecht – como síntese de empresários palacianos – são todos homens sem lacunas. José Dirceu acabou de ingressar nesse seleto ranking nacional, de homens sem lacunas.

Enfim, o estudo levou Gilmar Mendes a se tornar um homem sem lacunas. Mas não parou por aí. Sua relação com o poder o ensinou a se proteger e a transitar com desenvoltura entre os donos do poder, a ponto de se tornar um integrante inabalável dessa elite de homens sem lacunas. Ele inclusive orientou Moro a mergulhar na biblioteca do Senado e, suponho eu, compreender a vida dos homens fortes de Brasília. Nessa biblioteca, Gilmar Mendes encontrou todos os presidentes da república, seja por relação direta ou não, e do mergulho extraiu a essência da boa convivência palaciana. A prova do seu mérito foi ser indicado prontamente para o supremo, assim que seu esforço para o desenvolvimento moral de homem sem lacunas se tornou público e notório.

De FHC para cá, sua vida mudou muito e, devido ao voo de águia que a vivência nos meandros da biblioteca oficial lhe proporcionou, pode orientar todos os seus familiares e amigos sobre como se tornarem um homem ou uma mulher sem lacunas. Seu escritório de advocacia, sua faculdade de direito, tudo o que fez para fortalecer sua base de relações e consolidar sua estrutura de homem sem lacunas possibilitaram ainda que se eternizasse nesse terreno de homens sem lacunas. Tornou-se, portanto, nesse quesito, um lumiar, um modelo a ser seguido, um professor. Essa sabedoria que ele quis apresentar ao ex-juiz da Lava Jato: “Torne-se, magistrado, um homem como eu.” Tanto é que hoje no Brasil, não existe ascensão política e sucesso para quem busca uma posição na seara dos três poderes sem a benção do doutor Gilmar Mendes, um legítimo homem sem lacunas.

Romualdo Cruz Filho

Jornalista e, à moda antiga, leitor de livros de papel

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