Maio 9, 2024

Um monumento à italianidade

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A imigração italiana, ocorrida no período de 1880 a 1920, no Estado de São Paulo, ainda suscita muita imaginação junto ao público que se interessa pelo tema. A historiografia, comumente, trabalha com aspectos genéricos e alcança as principais nuances que modelam o movimento de massa. Mas seria necessário um mergulho em casos específicos, particulares, família a família, que o trabalho bibliográfico teria mais condições de delinear com certa propriedade, porque são muitas as histórias, são muitas as emoções.

MONUMENTO
O artista plástico Piracicabano, Palmiro Romani, estudou um pouco este cenário da imigração local para propor um Monumento aos Imigrantes, em processo de Construção pela Società Italiana di Mutuo Soccorso di Piracicaba, em comemoração aos 150 anos da Imigração Italiana no Brasil. E o resultado foi minimalista. Ele decidiu destacar alguns elementos predominantes, como a mala de mão e o cajado. “A mala de mão é a síntese da aventura, porque muitos italianos chegaram sem nenhum pertence, na fé de que encontraria tudo no Brasil, um novo mundo, terra do ouro, do alimento farto, o paraíso.”

O cansaço da travessia, a busca por um ponto de apoio diante da insegurança, estão representados pelo cajado, que se apoia na terra e se eleva como indicador ao divino. As mãos firmes seguram a mala e o cajado. Com isso, Romani conseguiu criar um clima ao mesmo tempo tenso, mas também de esperança. “Não criei um protótipo de italiano, porque ali poderia estar um homem, uma mulher ou até uma criança. Eram inúmeros os casos. Optei por algo sintético e abrangente, que captasse a força do processo, a emoção diante de uma nova porta que se abria. E a força desse processo é a fé e o sonho por dias melhores para todos”, explica.

Palmiro conta que há casos de famílias que foram separadas, porque deixaram inicialmente a Itália somente os homens. Em alguns casos, todos os seus integrantes se reencontraram, em outros, não. Há famílias que vieram unidas. Ficamos sabendo inclusive de histórias que seriam cômicas se não fosse a tensão do seu tempo, como homens que tiveram que se disfarçar de mulher e vice-versa para responder às exigências legais. “Por isso não dá para definir um italiano que sintetize a saga da imigração. Foram muitos e diversos, ricos e pobres, comerciantes, oficiais e agricultores, enfim.”

O presidente da entidade, Juliano Meneghel Dorizotto, diz que, definidos os detalhes para a instalação da obra, haverá um trabalho de engajamento junto aos descendentes de italiano da cidade para que eles estejam presentes no dia da inauguração da obra e deixem ali seus sobrenomes, sua identidade. “Esta é um caminho para que eles se sintam pertencentes a esta rica história, defendida com afinco pelos seus antepassados e que precisa ser evidenciada. Uma vez que esse movimento imigratório foi muito de extrema importância para o desenvolvimento de Piracicaba e de todos os italianos que para cá vieram.”

Dorizotto observa ainda o elevado contingente de italianos que escolheram Piracicaba para viver. “No início do século XX os italianos piracicabanos já compunham mais de 50% da população local. Há quem diga que a cidade é composta por 80% de descendentes de italianos. Por aí já dá para a gente imaginar o quando a integração cultural na Noiva da Colina foi forte, seja no campo das artes, da indústria e do comércio. É essa relação, potencializada pelo intercâmbio cultural de italianos, piracicabanos e imigrantes de outras nacionalidades, que estamos comemorando. Olhar no espelho e ver essa riqueza em processo de construção é uma obrigação dos descendentes de italiano neste momento. Por isso nosso empenho em falar com as novas gerações de ítalo-piracicabanos. Que que eles se identifiquem com esse cenário e contribuam com entusiasmo para que levemos adiante este legado, essa nossa história”, enfatiza.

PRIMEIROS ITALIANOS
A data que demarca os 150 anos de imigração italiana é uma homenagem à primeira leva de italianos que desembarcou no Brasil em 1874, trazidos pelo navio La Sofia. Instituído pela Lei Federal 11.687, esse dia reconhece os laços estreitos estabelecidos entre o Brasil e a Itália ao longo dos anos.

Em 1887, algumas famílias italianas lideradas por Carlo Zanotta, fundaram a Società Italiana di Mutuo Soccorso di Piracicaba, uma associação de beneficência destinada a auxiliar os imigrantes em suas necessidades. Desde então, a entidade não apenas forneceu apoio material, como alimentos e assistência médica, mas também promoveu atividades culturais para preservar a identidade italiana e estreitar os laços entre Itália e Brasil. O prédio da Sociedade Italiana, erguido em 1904 no centro de Piracicaba, continua sendo um ponto de referência na cidade.

OUTRAS HISTÓRIAS
Fernando Mattos Pereira Guimarães, em seu trabalho de conclusão de curso (TCC) intitulado “Fatores determinantes da diferenciação socioeconômica entre os imigrantes italianos, de 1880 a 1920, no Estado de São Paulo”, publicado pela editora Unicamp, em 1996, abre logo o texto com a seguinte tese:
“Para a grande maioria dos fazendeiros, a imigração europeia não era vista como uma alternativa à mão-de-obra africana; muito pelo contrário, ela era vista com certa apreensão, já que o regime de ocupação de terras no Brasil era livre e a terra pertencia a quem dela tornasse posse. Não por acaso, em 1852 surge a ‘Lei da Terra’ onde, com exceção de terras públicas, o acesso da terra só se daria através da compra.”

Com isso muitos impasses, que dificultavam a relação entre grandes produtores nacionais e imigrantes, puderam ser solucionados, uma vez que a legalização da propriedade em mãos dos italianos fortaleceu a parceria de trabalho, reduziu o risco de um trabalho exaustivo somente em benefício do contratante. Ter a propriedade, mesmo que para produção de pequena escala, reúne as famílias de imigrantes em torno de um empreendimento mais seguro e objetivo. Ou seja, o direito à terra torna-se um atrativo e tanto para todos os que sonhavam em ‘fazer a América’.

Uma experiência comumente destacada, que seria o pontapé inicial para o processo imigratório na região se deu na Fazenda Ibicaba, situada na Freguesia de Limeira, então pertencente à Vila Nova da Constituição, hoje Piracicaba. Muito italianos se fixaram no local e a intenção dos fazendeiros era que eles solucionassem o problema da mão de obra, até então escrava, nas fazendas de café.

O pesquisador José Eduardo Hefling Júnior tem se votado à temática e conta que a fazenda, fundada em 1817 pelo Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, foi sede da primeira e uma das mais importantes colônias do Brasil. Foi a pioneira na substituição de mão-de- obra escrava pela de imigrantes europeus, principalmente Suíços e Alemães, trinta anos depois de sua fundação. O Senador Vergueiro foi o responsável pela vinda dos primeiros imigrantes da Europa, muito antes da abolição da escravatura, em 1888. Sua empresa “Vergueiro e Companhia” recrutava os imigrantes, financiava a viagem e o imigrante tinha que quitar sua dívida trabalhando por, pelo menos, quatro anos.

De acordo com as regras fixadas, a cada família cabia um número determinado de pés de café que pudesse cultivar, colher e beneficiar, além de roças para o plantio de mantimentos. O produto da venda do café era partido entre colono e fazendeiro, devendo prevalecer o mesmo princípio para sobras de mantimentos que o colono vendessem. Esses contratos ficavam conhecidos como “Sistema de Parceria”. Cerca de mil pessoas, entre portugueses, suíços e alemães viviam em Ibicaba, que era quase independente, havendo até circulação interna de moeda própria. Durante uma década, o modelo de colonização obteve sucesso e serviu de exemplo para todo país.

Hefling Júnior conta ainda que devido a sua importância para a economia de São Paulo e ao reconhecimento da influência política do Senador Vergueiro, a Fazenda Ibicaba recebeu grandes personalidades, entre elas Dom Pedro II, a Princesa Isabel e o Conde D’eu. Foi usada durante a Guerra do Paraguai como estação militar. A extinção do tráfego negreiro em 1850 levou muitos fazendeiros a implantar o mesmo “sistema de parceria” criado pelo Senador Vergueiro. Os imigrantes, além de exercerem grande influência cultural, contribuíram com novas técnicas de produção, com a utilização de arado na plantação de café, eixo móvel para carroças e demais utensílios agrícolas. A oficina de Ibicaba fornecia máquinas e instrumentos para a região, visto que muitos imigrantes não tinham vocação agrícola, mas eram excelentes artesãos. Um dos primeiros motores a vapor de São Paulo foi importado pela Ibicaba e hoje encontra-se em um museu de Limeira.

Equipe

Matéria produzida pela equipe do site Viletim.com.br

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